Reportagem sobre o MIA 2011 no Bitaites



"Dá pelo pseudónimo de Hyaena Reich, é filha de cineasta e manipulou as cordas da sua guitarra baixo, deitada no colo, com dois facalhões. Na plateia, os homens – só os homens – riam.
Colocou dois trombones sobre cada ombro, juntou os bocais e de repente ouviu-se um trovejar. É Fernando Simões, músico formado nas fanfarras de rua e também retalhista de produtos alimentares, porque isto da música não dá de comer.
Natural de Guadalajara, sentou-se no chão como um místico hindu e tocou gira-discos “acústico”, dele extraindo longos lamentos. Chama-se Daniel del Rio, usa barba anarquista e desconfia dos computadores.
Foi a um laptop que Carlos “Zíngaro” ligou o seu violino. Ouvimos este e os seus duplos digitais, como se violinistas fantasmas tivessem sido convocados para uma séance. No palco, era quem tinha os cabelos mais brancos, como um xamã. Mas cibernético.
Diante de si estava um balde de água, atravessado por varões de metal, e dos lados duas guitarras estendidas e tornadas invisíveis pelas enormes chapas que os cobriam. Colocou brinquedos mecânicos sobre estas e, enquanto os ditos mexiam, estranhos sons irrompiam de todos os cantos da sala. É conhecido como Abdul Moimême e cumprimenta com salam aleikums e aleikum salams.
Tocou oboé e partes de oboé, requinta e partes de requinta, flauta e partes de flauta. Paulo Chagas é professor de música, mas quando não está a dar aulas vinga-se e faz o que diz aos miúdos para não fazerem.
Citava Emanuel Kant e Aristóteles nas conversas, mas no palco usou o arco para bater na viola como se estivesse a soltar azeitonas de uma oliveira. Chama-se Tiago Morgado e tem os mesmos olhos de peixe do veterano Henry Grimes. Não é filho deste, mas gostaria…
Colocou latas e outros objetos dentro da campânula do saxofone e soprou ao mesmo tempo que inspirava o ar, com uma mão nas chaves e a outra em descanso, olhando para o infinito. A música era serena, mas às tantas ficámos à espera de saber quando Arturo Vidal ia desmaiar.
Reiner Hess ficava vermelho quando tocava o sax alto e torcia-se como um lençol molhado. No lugar da barriga víamos um cotovelo espetado e só então percebíamos a equivalência com as notas que gritava, dramaticamente enroladas sobre si mesmas.
Os ingleses fumam cachimbo, afirmava Paulo Ramos com as palavras de Almada Negreiros. Atirando-as ao desafio por entre a música, sublinhando o sarcasmo, olhando diretamente para os britânicos sentados na primeira fila, que nada entendiam do que se estava a passar. Does humor belong to music? Yes, it does.
Paulo Curado andava por lá ora de bebé a tiracolo, ora passeando o saxofone soprano. A menina fazia brrrrddbllldd e o soprano também. A vantagem do improvisador é ter encontrado a criança que ainda há em si.
De perna cruzada, como se estivesse a beber uma cerveja na esplanada, Ernesto Rodrigues procurou reações em todos os lugares possíveis e impossíveis do seu instrumento. Quem disse que questionar os limites é uma luta contra o suor?
Dá pelo pseudónimo de Hyaena Reich, é filha de cineasta e manipulou as cordas da sua guitarra baixo, deitada no colo, com dois facalhões. Na plateia, os homens – só os homens – riam.
Colocou dois trombones sobre cada ombro, juntou os bocais e de repente ouviu-se um trovejar. É Fernando Simões, músico formado nas fanfarras de rua e também retalhista de produtos alimentares, porque isto da música não dá de comer.
Natural de Guadalajara, sentou-se no chão como um místico hindu e tocou gira-discos “acústico”, dele extraindo longos lamentos. Chama-se Daniel del Rio, usa barba anarquista e desconfia dos computadores.
Foi a um laptop que Carlos “Zíngaro” ligou o seu violino. Ouvimos este e os seus duplos digitais, como se violinistas fantasmas tivessem sido convocados para uma séance. No palco, era quem tinha os cabelos mais brancos, como um xamã. Mas cibernético.
Diante de si estava um balde de água, atravessado por varões de metal, e dos lados duas guitarras estendidas e tornadas invisíveis pelas enormes chapas que os cobriam. Colocou brinquedos mecânicos sobre estas e, enquanto os ditos mexiam, estranhos sons irrompiam de todos os cantos da sala. É conhecido como Abdul Moimême e cumprimenta com salam aleikums e aleikum salams.
Tocou oboé e partes de oboé, requinta e partes de requinta, flauta e partes de flauta. Paulo Chagas é professor de música, mas quando não está a dar aulas vinga-se e faz o que diz aos miúdos para não fazerem.
Citava Emanuel Kant e Aristóteles nas conversas, mas no palco usou o arco para bater na viola como se estivesse a soltar azeitonas de uma oliveira. Chama-se Tiago Morgado e tem os mesmos olhos de peixe do veterano Henry Grimes. Não é filho deste, mas gostaria…
Colocou latas e outros objetos dentro da campânula do saxofone e soprou ao mesmo tempo que inspirava o ar, com uma mão nas chaves e a outra em descanso, olhando para o infinito. A música era serena, mas às tantas ficámos à espera de saber quando Arturo Vidal ia desmaiar.
Reiner Hess ficava vermelho quando tocava o sax alto e torcia-se como um lençol molhado. No lugar da barriga víamos um cotovelo espetado e só então percebíamos a equivalência com as notas que gritava, dramaticamente enroladas sobre si mesmas.
Os ingleses fumam cachimbo, afirmava Paulo Ramos com as palavras de Almada Negreiros. Atirando-as ao desafio por entre a música, sublinhando o sarcasmo, olhando diretamente para os britânicos sentados na primeira fila, que nada entendiam do que se estava a passar. Does humor belong to music? Yes, it does.
Paulo Curado andava por lá ora de bebé a tiracolo, ora passeando o saxofone soprano. A menina fazia brrrrddbllldd e o soprano também. A vantagem do improvisador é ter encontrado a criança que ainda há em si.
De perna cruzada, como se estivesse a beber uma cerveja na esplanada, Ernesto Rodrigues procurou reações em todos os lugares possíveis e impossíveis do seu instrumento. Quem disse que questionar os limites é uma luta contra o suor?
Todas estas personagens, e outras tantas, estiveram presentes na segunda edição do MIA – Encontro de Música Improvisada de Atouguia da Baleia, realizado no último fim-de-semana de Maio. Improvisou-se, falou-se de improvisação, constituíram-se grupos por sorteio, apresentaram-se projectos como ZNGR Electro-Acoustic Ensemble, Relentless, Kalendar, PREC. E praticou-se, trocaram-se experiências, conheceram-se músicos que nunca antes se tinham cruzado. Foi bom, muito bom, e até as sardinhas foram assadas no carvão com requintes de pesquisa."

texto de Rui Eduardo Paes no blog BITAITES
http://bitaites.org/musica/o-gato-miou